Números Naturais
(Pró-letramento Matemática[i])
Os números em nossas vidas
Os números naturais estão presentes em nosso cotidiano e são utilizados com os mais diversos propósitos. Utilizamos os números para realizar contagens, ou seja, para responder a perguntas do tipo “quantos?” (“35 alunos”, “meu álbum já tem 148 figurinhas”, “tenho 7 reais a mais que você”, etc.). O conceito de número ajuda ainda a identificar um objeto de uma coleção ordenada, respondendo a perguntas do tipo “qual?” (“o quinto andar”, “o décimo quarto na fila de espera”, etc.).
Mas há outras aplicações em que a estrutura dos números naturais não é aproveitada; nelas, eles são usados apenas como um sistema eficiente de códigos. Nestes casos, apesar de chamarmos estes registros de números (número do telefone, número do ônibus, etc.) não faz sentido compará-los (dizer “meu número de telefone é maior do que o seu!” não tem nenhum significado prático).
A construção dos números naturais pela criança é a base para a ampliação do campo numérico que a vida em sociedade exige, como os números inteiros e racionais. As experiências iniciais são muito importantes neste longo processo, e cabe à escola ajudar na construção do pensamento matemático da criança. Sua sala de aula deve ser um lugar especial, que dá boas-vindas à Matemática, enriquecendo e sistematizando as experiências vividas dentro e fora desse espaço.
Texto para leitura - Os números e sua representação
Ninguém sabe exatamente quando foram inventados os primeiros registros numéricos; sabe-se, porém, que povos pré-históricos, antes mesmo de possuírem uma linguagem escrita, grafavam o resultado de suas contagens, ou então grafavam o próprio ato de contar.
Não sabemos ao certo, mas podemos imaginar estórias sobre o uso primitivo de contagens – anteriores até mesmo aos primeiros símbolos grafados. Imagine um pastor de ovelhas, preocupado em não perder nenhum animal de seu rebanho. Assim, ao soltá-las no pasto pela manhã, ele colocava uma pedrinha em um saco para cada ovelha que saía do cercado. Ao anoitecer, ao recolher os animais, era só retirar uma pedra para cada ovelha reconduzida ao cercado. Se não sobrasse nenhuma pedra, todas as ovelhas estariam a salvo. Caso contrário, era hora de sair à procura de ovelhas desgarradas. Cada pedra restante no saco correspondia a uma ovelha que não havia retornado.
Se tais pastores realmente existiram ou são apenas lendas, uma ideia muito importante em Matemática foi contada: associar uma pedra a cada ovelha, permitia ao pastor “conferir” seu rebanho e tomar providências, quando necessárias, para recuperar animais perdidos.
Como a ideia de passar o dia carregando um saco de pedras não é das mais agradáveis, seria interessante trocar essas pedras por algo mais leve. Talvez por isso tenha surgido outra boa ideia – pensar que três ovelhas poderiam ser representadas por um registro gráfico, como I I I. Além disso, este mesmo registro serviria para três pássaros, três pedras ou qualquer outro conjunto de três objetos.
Usar um mesmo registro para uma mesma quantidade de coisas diferentes (uma construção abstrata!) foi um grande avanço. O homem ainda se deparou, no entanto, com a necessidade de registrar quantidades cada vez maiores – um novo desafio, pois seus registros eram limitados (pedras, entalhes, partes do corpo humano, desenhos, etc.). O difícil problema a ser resolvido pelo ser humano foi, então, como designar números cada vez maiores, usando poucos símbolos? Esta tarefa foi cumprida com registros concretos e depois registros orais (fala) e por escrito. Muitas civilizações, ao longo da história, criaram seus próprios registros, até que se chegou à forma de grafar os números que utilizamos até hoje, um sistema posicional, denominado Sistema Decimal de Numeração.
Esta conversa inicial sobre os números já nos faz imaginar que os homens passaram por várias etapas e dificuldades no desenvolvimento da Matemática. Sabe-se também que nem sempre as dificuldades e os impasses foram contornados ou solucionados com eficiência e rapidez. Um processo similar acontece com cada aluno, que vai reconstruir este conhecimento passando por erros e acertos.
O olhar dos alunos
Você já observou crianças pequenas contando? Quando contam uma coleção de objetos, “recitam” números, muitas vezes “saltando” alguns e repetindo outros. Se os objetos estão espalhados, elas costumam contar alguns objetos mais de uma vez e deixar de contar outros. Além disso, não é claro para algumas quando devem parar a contagem. Crianças neste estágio ainda não desenvolveram o conceito de número, mas ele está presente em suas vidas – e isso incentiva suas primeiras tentativas de contagem. As crianças levam para a escola essa “vontade” de contar, que deve ser incentivada e explorada. A seguir, vamos relatar alguns casos que exemplificam diferentes etapas da construção do conceito de números pelas crianças.
Episódio 1
A professora deu um montinho de 6 fichas para Alice e um de 7 fichas para Daniel. A professora pergunta quem ganhou mais fichas. Alice e Daniel organizam suas fichas lado a lado, como você pode ver na ilustração, e respondem:
· Alice: “O Dani.”
· Daniel: “Eu! ... Tenho 7 e Alice só tem 6.”
Quando questionados sobre quantas fichas Daniel tem a mais do que Alice, eles respondem:
· Alice: “Sete” (apontando para a ficha não emparelhada)
· Daniel: “Uma” (apontando para a mesma ficha)
Vamos analisar o trabalho de Alice. O que ela acerta? Por que ela erra?
Episódio 2
Juliana tenta escrever vinte e um, número ditado por sua professora. Veja o resultado e os comentários feitos por ela:
2 →o dois é usado no vinte porque depois de um vem dois. O 17, 16 e 19 são com um, então o vinte é com dois”
Observe que Juliana escreve errado o número 21, mas justifica, por comparação com outros números, o uso do algarismo dois para escrever o vinte.
Vamos analisar o trabalho de Juliana. O que ela acerta? Por que ela erra?
Episódio 3:
Mariana tentou escrever o ano de nascimento de sua mãe: 1972. Veja o resultado, e os comentários dela:
“O zero – ele que dá o mil. O um – se ele não for companheiro do zero, não fica mil – fica um”
Vamos analisar o trabalho de Mariana. O que ela acerta? Por que ela erra?
Ajudando seu aluno a conceituar números naturais
a) Atividades de contagem
Da mesma forma que uma criança aprende a falar enquanto fala (corretamente ou não), ela deve aprender a contar enquanto conta. Aproveite as muitas oportunidades que aparecerem em sala de aula para contar. Sempre que for significativo para os alunos, conte (e peça para que as crianças contem) alunos, lápis, brinquedos, etc. Extrapole os limites de contagem das crianças (por exemplo, se elas só contam até 10, introduza contagens com 15 ou 20 elementos). Não espere até que seu aluno tenha o conceito pronto para fazer contagens (isso seria como pedir que uma criança só falasse quando já soubesse falar corretamente).
b) Atividades estabelecendo relações entre coleções diferentes
Estas atividades (correspondência um a um entre os elementos de duas coleções) conduzem à comparação de quantidades e preparam para o conceito de igualdade e desigualdade entre números.
Por exemplo: Distribua para cada aluno 6 canetas e 6 tampas de caneta. Pergunte: “Há mais canetas do que tampas?”
Observe as estratégias utilizadas pelos alunos para comparar, pois algumas disposições espaciais podem causar dificuldades nos primeiros estágios. Peça, então, que os alunos retirem e coloquem as tampas nas canetas. Em seguida, repita a pergunta.
Repita este tipo de atividade, variando os materiais e as quantidades envolvidas, sempre permitindo que seus alunos desenvolvam suas próprias estratégias de comparação. Você pode usar, por exemplo: pires e xícaras, os próprios alunos e suas carteiras, pedras pequenas e pedras grandes, etc. Aos poucos, os alunos devem concluir que a quantidade de objetos é independente da forma e do tamanho (por exemplo: podem existir menos pedras grandes que pedras pequenas, embora, quando amontoadas, as pedras grandes ocupem um volume maior do que as pequenas).
c) Atividades lúdicas
Explore o gosto das crianças por jogos e brincadeiras para criar situações de aprendizagem.
Por exemplo: Jogo MAIOR LEVA
Para este jogo são utilizados 40 cartões, como ilustrado ao lado, que apresentam a representação numérica e pictórica dos números de 1 até 10 (podemos também usar as cartas de um a dez de um baralho). Os cartões são divididos por duas crianças.
Cada criança abre um cartão de seu monte e os valores são comparados. Quem tiver o maior valor, fica com os dois cartões. Em caso de empate, novos cartões são abertos e o aluno que tiver o maior número nesta nova rodada ganha os quatro cartões. Ao final do jogo, ganha quem tiver mais cartões.
Crie variações deste jogo, usando novos cartões com números e representações pictóricas de cada valor para ampliar o limite numérico (até 20, por exemplo).
O sistema de numeração decimal
O sistema de numeração decimal e a importância do zero
O trabalho das crianças que você analisou no primeiro encontro mostra que elas estão ainda no processo de compreender como representamos os números – esse é um processo de muitas etapas e que exige pensar em muitas estratégias. A primeira grande estratégia para contar e representar é o agrupamento. Formar grupos organiza o que deve ser contado, tornando mais fácil não esquecer objetos e evitando que um mesmo objeto seja contado mais de uma vez. A figura ao lado ilustra a importância desta estratégia. Em qual das duas configurações você acha que é mais fácil contar o total de palitos de fósforo?
Nosso sistema de numeração está baseado em uma estratégia de agrupamento: juntamos dez unidades para formar uma dezena, dez dezenas para formar uma centena, dez centenas para formar um milhar, e assim por diante. Esse sistema é chamado decimal exatamente pela escolha de agrupar de dez em dez.
O fato de que o mesmo símbolo pode representar quantidades diferentes é uma grande vantagem de um sistema posicional. Utilizando apenas dez símbolos (os algarismos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0) somos capazes de representar qualquer número natural. O valor representado por um algarismo vai depender de sua posição na representação, por isso, o sistema é chamado posicional. Esta não é uma ideia simples, tanto que demorou muito tempo para ser desenvolvida pela humanidade, e precisa ser bem trabalhada com os alunos.
Para desenvolver um sistema posicional, o algarismo para representar o zero (0) é de importância fundamental. Essa ideia é a “chave” do sistema posicional: afinal, para que serve representar o “nada”? A seguir, vamos discutir a força desta ideia.
Examinando o sistema de numeração decimal, vemos que o significado de um símbolo depende da posição que ele ocupa. Observe o número trezentos e cinquenta e quatro: 354.
O símbolo colocado mais à direita da representação significa quatro unidades ou quatro.
O algarismo 5, colocado imediatamente à sua esquerda, significa:
· cinco dezenas, ou
· cinco grupos de dez unidades cada ou ainda
· cinquenta unidades
O próximo algarismo à esquerda do cinco é o 3, que significa:
· três centenas ou
· 3 grupos de uma centena cada, ou
· 30 grupos de uma dezena cada, ou ainda
· trezentas unidades
O quatro, o cinquenta e o trezentos somam trezentos e cinquenta e quatro, e isto é o que o 354 representa. Para escrever números como este, apenas nove símbolos seriam suficientes.
No entanto, se eu quiser escrever o número duzentos e três, não poderia escrever 23, pois estaria usando a mesma representação para duas quantidades diferentes. Esta é a representação que usamos para o número vinte e três (isto é: dois grupos de uma dezena e mais três unidades).
O número que queremos escrever tem 2 centenas, ou 20 dezenas (não sobram outras dezenas além daquelas que foram agrupadas em centenas) e tem ainda 3 unidades. Precisamos, então, usar um símbolo para representar o “nada”, a ausência de dezenas não agrupadas em centenas.
Quando escrevemos 203 acabamos com qualquer ambiguidade que pudesse existir entre a representação para duzentos e três e a representação de vinte e três. A figura ilustra como um material concreto (no caso, o material dourado) pode ajudar os alunos a compreender estas idéias.
Assim, além dos nove símbolos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, foi preciso acrescentar um símbolo para “nada”, para o zero (0). E, com apenas estes dez símbolos, qualquer número natural, por maior que seja, pode ser escrito em nosso sistema decimal e posicional.
É exigir muito das crianças que, só através da observação da representação simbólica dos números, consigam entender e analisar a necessidade de um sistema posicional. A compreensão do sistema de numeração, para o registro consciente de quantidades maiores do que 10, faz parte da construção do conceito dos números. A criança deve relacionar os símbolos 0, 1, 2, 3, 4, 5 ...9 às quantidades que representam, ser capaz de ordenar estas quantidades, observando que o sucessor de um número tem sempre uma unidade a mais e compreender que estes mesmos algarismos são utilizados para representar todos os números naturais. Para isso, faz-se necessário um longo trabalho com material de contagem (palitos, canudinhos, pedrinhas, chapinhas, fichas,
elásticos, caixinhas de vários tamanhos), com o qual ela possa fazer seus próprios agrupamentos e identificar os diferentes valores que um algarismo pode ter, dependendo da posição que ele ocupa em um número.
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