Breve análise da trajetória das reformas e do quadro atual do ensino de
Matemática
[Extraído dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática]
Os princípios enunciados no item
precedente têm origem nas discussões que, nos últimos anos, vêm ocorrendo no
Brasil e em outros países. O objetivo tem sido o de adequar o trabalho escolar
a uma nova realidade, marcada pela crescente presença dessa área do
conhecimento em diversos campos da atividade humana. Para melhor situá-los é
importante retomar a trajetória das reformas curriculares ocorridas nos últimos
anos e analisar, mesmo que brevemente, o quadro atual do ensino de Matemática
no Brasil. Nas décadas de 60/70, o ensino de Matemática, em diferentes países,
foi influenciado por um movimento que ficou conhecido como Matemática Moderna.
A Matemática Moderna nasceu como um movimento educacional inscrito numa
política de modernização econômica e foi posta na linha de frente por se
considerar que, juntamente com a área de Ciências Naturais, ela se constituía
via de acesso privilegiada para o pensamento científico e tecnológico. Desse
modo, a Matemática a ser ensinada era aquela concebida como lógica,
compreendida a partir das estruturas, conferia um papel fundamental à linguagem
matemática. Os formuladores dos currículos dessa época insistiam na necessidade
de uma reforma pedagógica, incluindo a pesquisa de materiais novos e métodos de
ensino renovados — fato que desencadeou a preocupação com a Didática da
Matemática, intensificando a pesquisa nessa área. Ao aproximar a Matemática
escolar da Matemática pura, centrando o ensino nas estruturas e fazendo uso de
uma linguagem unificadora, a reforma deixou de considerar um ponto básico que
viria se tornar seu maior problema: o que se propunha estava fora do alcance
dos alunos, em especial daqueles das séries iniciais do ensino fundamental. O
ensino passou a ter preocupações excessivas com abstrações internas à própria
Matemática, mais voltadas à teoria do que à prática. A linguagem da teoria dos
conjuntos, por exemplo, foi introduzida com tal ênfase que a aprendizagem de
símbolos e de uma terminologia interminável comprometia o ensino do cálculo, da
geometria e das medidas. No Brasil, a Matemática Moderna foi veiculada
principalmente pelos livros didáticos e teve grande influência. O movimento
Matemática Moderna teve seu refluxo a partir da constatação da inadequação de
alguns de seus princípios e das distorções ocorridas na sua implantação.
Em 1980, o National Council of
Teachers of Mathematics — NCTM —, dos Estados Unidos, apresentou recomendações
para o ensino de Matemática no documento “Agenda para Ação”. Nele destacava-se
a resolução de problemas como foco do ensino da Matemática nos anos 80. Também
a compreensão da relevância de aspectos sociais, antropológicos, lingüísticos,
na aprendizagem da Matemática, imprimiu novos rumos às discussões curriculares.
Essas idéias influenciaram as
reformas que ocorreram mundialmente, a partir de então. As propostas elaboradas
no período 1980/1995, em diferentes países, apresentam pontos de convergência,
como, por exemplo:
• direcionamento do ensino
fundamental para a aquisição de competências básicas necessárias ao cidadão e
não apenas voltadas para a preparação de estudos posteriores;
• importância do desempenho de um
papel ativo do aluno na construção do seu conhecimento;
• ênfase na resolução de
problemas, na exploração da Matemática a partir dos problemas vividos no
cotidiano e encontrados nas várias disciplinas;
• importância de se trabalhar com
um amplo espectro de conteúdos, incluindo-se, já no ensino fundamental,
elementos de estatística, probabilidade e combinatória, para atender à demanda
social que indica a necessidade de abordar esses assuntos;
• necessidade de levar os alunos
a compreenderem a importância do uso da tecnologia e a acompanharem sua
permanente renovação.
Também no Brasil essas ideias vêm
sendo discutidas e algumas aparecem incorporadas pelas propostas curriculares
de Secretarias de Estado e Secretarias Municipais de Educação, havendo
experiências bem-sucedidas que comprovam a fecundidade delas. No entanto, é
importante salientar que ainda hoje nota-se, por exemplo, a insistência no
trabalho com os conjuntos nas séries iniciais, o predomínio absoluto da Álgebra
nas séries finais, a formalização precoce de conceitos e a pouca vinculação da
Matemática às suas aplicações práticas.
Dentre os trabalhos que ganharam
expressão nesta última década, destaca-se o Programa Etnomatemática, com suas
propostas alternativas para a ação pedagógica. Tal programa contrapõe-se às
orientações que desconsideram qualquer relacionamento mais íntimo da Matemática
com aspectos socioculturais e políticos — o que a mantém intocável por fatores
outros a não ser sua própria dinâmica interna. Do ponto de vista educacional,
procura entender os processos de pensamento, os modos de explicar, de entender
e de atuar na realidade, dentro do contexto cultural do próprio indivíduo. A
Etnomatemática procura partir da realidade e chegar à ação pedagógica de
maneira natural, mediante um enfoque cognitivo com forte fundamentação
cultural. Todavia, tanto as propostas curriculares como os inúmeros trabalhos
desenvolvidos por grupos de pesquisa ligados a universidades e a outras
instituições brasileiras são ainda bastante desconhecidos de parte considerável
dos professores que, por sua vez, não têm uma clara visão dos problemas que
motivaram as reformas. O que se observa é que ideais ricas e inovadoras não
chegam a eles, ou são incorporadas superficialmente ou recebem interpretações
inadequadas, sem provocar mudanças desejáveis.
Resultados obtidos nos testes de
rendimento em Matemática, aplicados em 1993 pelo Sistema Nacional de Avaliação
Escolar da Educação Básica (SAEB), indicavam que, na primeira série do ensino
fundamental, 67,7% dos alunos acertavam pelo menos metade dos testes. Esse
índice caía para 17,9% na terceira série, tornava a cair para 3,1%, na quinta
série, e subia para 5,9% na sétima série.
Em 1995, numa avaliação que
abrangeu alunos de quartas e oitavas séries do primeiro grau, os percentuais de
acerto por série/grau e por processo cognitivo em Matemática evidenciaram, além
de um baixo desempenho global, que as maiores dificuldades são encontradas em
questões relacionadas à aplicação de conceitos e à resolução de problemas.
Além dos índices que indicam o
baixo desempenho dos alunos na área de Matemática em testes de rendimento,
também são muitas as evidências que mostram que ela funciona como filtro para
selecionar alunos que concluem, ou não, o ensino fundamental. Frequentemente, a
Matemática tem sido apontada como disciplina que contribui significativamente
para elevação das taxas de retenção.
Parte dos problemas referentes ao
ensino de Matemática estão relacionados ao processo de formação do magistério,
tanto em relação à formação inicial como à formação continuada. Decorrentes dos
problemas da formação de professores, as práticas na sala de aula tomam por
base os livros didáticos, que, infelizmente, são muitas vezes de qualidade
insatisfatória. A implantação de propostas inovadoras, por sua vez, esbarra na
falta de uma formação profissional qualificada, na existência de concepções
pedagógicas inadequadas e, ainda, nas restrições ligadas às condições de
trabalho.
Tais problemas acabam sendo
responsáveis por muitos equívocos e distorções em relação aos fundamentos
norteadores e ideias básicas que aparecem em diferentes propostas.
Assim, por exemplo, as
orientações sobre a abordagem de conceitos, ideias e métodos sob a perspectiva
de resolução de problemas ainda são bastante desconhecidas; outras vezes a
resolução de problemas tem sido incorporada como um item isolado, desenvolvido
paralelamente como aplicação da aprendizagem, a partir de listagens de
problemas cuja resolução depende basicamente da escolha de técnicas ou formas
de resolução conhecidas pelos alunos.
As recomendações insistentemente
feitas no sentido de que conteúdos são veículo para o desenvolvimento de ideias
fundamentais (como as de proporcionalidade, equivalência, etc.) e devem ser
selecionados levando em conta sua potencialidade quer para instrumentação para
a vida, quer para o desenvolvimento do raciocínio, nem sempre são observadas.
Quanto à organização dos
conteúdos, é possível observar uma forma excessivamente hierarquizada de
fazê-lo. É uma organização, dominada pela ideia de pré-requisito, cujo único
critério é a definição da estrutura lógica da Matemática, que desconsidera em
parte as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Nessa visão, a aprendizagem
ocorre como se os conteúdos se articulassem como elos de uma corrente,
encarados cada um como pré-requisito para o que vai sucedê-lo.
Embora se saiba que alguns
conhecimentos precedem outros necessários e deve-se escolher um certo percurso,
não existem, por outro lado, amarras tão fortes como algumas que podem ser
observadas comumente. Por exemplo, trabalhar primeiro apenas os números menores
que 10, depois os menores que 100, depois os menores que 1.000, etc.;
apresentar a representação fracionária dos racionais para introduzir,
posteriormente, a decimal; desenvolver o conceito de semelhança, para depois
explorar o Teorema de Pitágoras.
Por vezes, essa concepção linear
faz com que, ao se definir qual será o elo inicial da cadeia, tomem-se os
chamados fundamentos como ponto de partida. É o que ocorre, por exemplo, quando
se privilegiam as noções de “ponto, reta e plano” como referência inicial para
o ensino de Geometria ou quando se tomam os “conjuntos” como base para a
aprendizagem de números e operações, o que não é, necessariamente, o caminho
mais adequado.
Também a importância de se levar
em conta o “conhecimento prévio” dos alunos na construção de significados
geralmente é desconsiderada. Na maioria das vezes, subestimam-se os conceitos
desenvolvidos no decorrer da atividade prática da criança, de suas interações
sociais imediatas, e parte-se para o tratamento escolar, de forma esquemática,
privando os alunos da riqueza de conteúdo proveniente da experiência pessoal.
Outra distorção perceptível
refere-se a uma interpretação equivocada da ideia de “cotidiano”, ou seja,
trabalha-se apenas com o que se supõe fazer parte do dia-a-dia do aluno. Desse
modo, muitos conteúdos importantes são descartados ou porque se julga, sem uma
análise adequada, que não são de interesse para os alunos, ou porque não fazem
parte de sua “realidade”, ou seja, não há uma aplicação prática imediata. Essa
postura leva ao empobrecimento do trabalho, produzindo efeito contrário ao de
enriquecer o processo ensino-aprendizagem.
Apresentada em várias propostas
como um dos aspectos importantes da aprendizagem matemática, por propiciar
compreensão mais ampla da trajetória dos conceitos e métodos dessa ciência, a
História da Matemática também tem se transformado em assunto específico, um
item a mais a ser incorporado ao rol de conteúdos, que muitas vezes não passa
da apresentação de fatos ou biografias de matemáticos famosos.
A recomendação do uso de recursos
didáticos, incluindo alguns materiais específicos, é feita em quase todas as
propostas curriculares. No entanto, na prática, nem sempre há clareza do papel
dos recursos didáticos no processo ensino-aprendizagem, bem como da adequação
do uso desses materiais, sobre os quais se projetam algumas expectativas
indevidas.
Desse modo, pode-se concluir que
há problemas antigos e novos a serem enfrentados e solucionados, tarefa que
requer operacionalização efetiva das intenções anunciadas nas diretrizes
curriculares dos anos 80 e início dos 90, e a inclusão de novos elementos à
pauta de discussões.
O conhecimento matemático
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
A Matemática, surgida na
Antiguidade por necessidades da vida cotidiana, converteu-se em um imenso
sistema de variadas e extensas disciplinas. Como as demais ciências, reflete as
leis sociais e serve de poderoso instrumento para o conhecimento do mundo e
domínio da natureza.
Mesmo com um conhecimento
superficial da Matemática, é possível reconhecer certos traços que a
caracterizam: abstração, precisão, rigor lógico, caráter irrefutável de suas
conclusões, bem como o extenso campo de suas aplicações.
A abstração matemática revela-se
no tratamento de relações quantitativas e de formas espaciais, destacando-as
das demais propriedades dos objetos. A Matemática move-se quase exclusivamente
no campo dos conceitos abstratos e de suas inter-relações. Para demonstrar suas
afirmações, o matemático emprega apenas raciocínios e cálculos.
É certo que os matemáticos também
fazem constante uso de modelos e analogias físicas e recorrem a exemplos bem
concretos, na descoberta de teoremas e métodos. Mas os teoremas matemáticos são
rigorosamente demonstrados por um raciocínio lógico.
Os resultados matemáticos
distinguem-se pela sua precisão e os raciocínios desenvolvem-se num alto grau
de minuciosidade, que os torna incontestáveis e convincentes.
Mas a vitalidade da Matemática
deve-se também ao fato de que, apesar de seu caráter abstrato, seus conceitos e
resultados têm origem no mundo real e encontram muitas aplicações em outras
ciências e em inúmeros aspectos práticos da vida diária: na indústria, no
comércio e na área tecnológica. Por outro lado, ciências como Física, Química e
Astronomia têm na Matemática ferramenta essencial.
Em outras áreas do conhecimento,
como Sociologia, Psicologia, Antropologia, Medicina, Economia Política, embora
seu uso seja menor que nas chamadas ciências exatas, ela também constitui um
subsídio importante, em função de conceitos, linguagem e atitudes que ajuda a
desenvolver.
Em sua origem, a Matemática
constituiu-se a partir de uma coleção de regras isoladas, decorrentes da
experiência e diretamente conectadas com a vida diária. Não se tratava,
portanto, de um sistema logicamente unificado. A Aritmética e a Geometria
formaram-se a partir de conceitos que se interligavam. Talvez, em consequência
disso, tenha se generalizado a ideia de que a Matemática é a ciência da
quantidade e do espaço, uma vez que se originou da necessidade de contar,
calcular, medir, organizar o espaço e as formas. O desenvolvimento da Geometria
e o aparecimento da Álgebra marcaram uma ruptura com os aspectos puramente
pragmáticos da Matemática e impulsionaram a sistematização dos conhecimentos
matemáticos, gerando novos campos: Geometria Analítica, Geometria Projetiva,
Álgebra Linear, entre outros. O estudo das grandezas variáveis deu origem ao
conceito de função e fez surgir, em decorrência, um novo ramo: a Análise
Matemática.
A Matemática transforma-se por fim
na ciência que estuda todas as possíveis relações e interdependências
quantitativas entre grandezas, comportando um vasto campo de teorias, modelos e
procedimentos de análise, metodologias próprias de pesquisa, formas de coletar
e interpretar dados.
Embora as investigações no campo
da Matemática se situem ora dentro do campo da chamada matemática pura, ora
dentro da chamada matemática aplicada, elas se influenciam mutuamente; dessa
forma, descobertas dos chamados “matemáticos puros” revelam mais tarde um valor
prático inesperado, assim como o estudo de propriedades matemáticas em
acontecimentos particulares conduzem às vezes ao chamado conhecimento
matemático teórico.
Se Matemática pura e aplicada não
se contrapõem, também a característica de exatidão não diminui a importância de
teorias como das probabilidades, nem de procedimentos que envolvem a estimativa
e a aproximação.
O conhecimento matemático é fruto
de um processo de que fazem parte a imaginação, os contraexemplos, as
conjecturas, as críticas, os erros e os acertos. Mas ele é apresentado de forma
descontextualizada, atemporal e geral, porque é preocupação do matemático
comunicar resultados e não o processo pelo qual os produziu.
A Matemática desenvolve-se, desse
modo, mediante um processo conflitivo entre muitos elementos contrastantes: o
concreto e o abstrato, o particular e o geral, o formal e o informal, o finito
e o infinito, o discreto e o contínuo. Curioso notar que tais conflitos se
encontram também no âmbito do ensino dessa disciplina.
O PAPEL DA MATEMÁTICA NO ENSINO
FUNDAMENTAL
A Matemática comporta um amplo
campo de relações, regularidades e coerências que despertam a curiosidade e
instigam a capacidade de generalizar, projetar, prever e abstrair, favorecendo
a estruturação do pensamento e o desenvolvimento do raciocínio lógico. Faz
parte da vida de todas as pessoas nas experiências mais simples como contar,
comparar e operar sobre quantidades. Nos cálculos relativos a salários,
pagamentos e consumo, na organização de atividades como agricultura e pesca, a
Matemática se apresenta como um conhecimento de muita aplicabilidade. Também é
um instrumental importante para diferentes áreas do conhecimento, por ser
utilizada em estudos tanto ligados às ciências da natureza como às ciências
sociais e por estar presente na composição musical, na coreografia, na arte e
nos esportes.
Essa potencialidade do
conhecimento matemático deve ser explorada, da forma mais ampla possível, no
ensino fundamental.
Para tanto, é importante que a
Matemática desempenhe, equilibrada e indissociavelmente, seu papel na formação
de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do
raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a problemas, situações da vida
cotidiana e atividades do mundo do trabalho e no apoio à construção de
conhecimentos em outras áreas curriculares.
MATEMÁTICA E CONSTRUÇÃO DA
CIDADANIA
O papel que a Matemática
desempenha na formação básica do cidadão brasileiro norteia estes Parâmetros.
Falar em formação básica para a cidadania significa falar da inserção das
pessoas no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura, no âmbito da
sociedade brasileira.
A pluralidade de etnias existente
no Brasil, que dá origem a diferentes modos de vida, valores, crenças e
conhecimentos, apresenta-se para a educação matemática como um desafio
interessante.
Os alunos trazem para a escola
conhecimentos, ideias e intuições, construídos através das experiências que
vivenciam em seu grupo sociocultural. Eles chegam à sala de aula com
diferenciadas ferramentas básicas para, por exemplo, classificar, ordenar,
quantificar e medir. Além disso, aprendem a atuar de acordo com os recursos,
dependências e restrições de seu meio.
A par desses esquemas de
pensamentos e práticas, todo aluno brasileiro faz parte de uma sociedade em que
se fala a mesma língua, se utiliza o mesmo sistema de numeração, o mesmo
sistema de medidas, o mesmo sistema monetário; além disso, recebe informações
veiculadas por meio de mídias abrangentes, que se utilizam de linguagens e
recursos gráficos comuns, independentemente das características particulares
dos grupos receptores.
Desse modo, um currículo de
Matemática deve procurar contribuir, de um lado, para a valorização da
pluralidade sociocultural, impedindo o processo de submissão no confronto com
outras culturas; de outro, criar condições para que o aluno transcenda um modo
de vida restrito a um determinado espaço social e se torne ativo na transformação
de seu ambiente.
A compreensão e a tomada de
decisões diante de questões políticas e sociais também dependem da leitura e
interpretação de informações complexas, muitas vezes contraditórias, que
incluem dados estatísticos e índices divulgados pelos meios de comunicação. Ou
seja, para exercer a cidadania, é necessário saber calcular, medir, raciocinar,
argumentar, tratar informações estatisticamente, etc.
Da mesma forma, a sobrevivência
numa sociedade que, a cada dia, torna-se mais complexa, exigindo novos padrões
de produtividade, depende cada vez mais de conhecimento.
Uma característica contemporânea
marcante é que na maioria dos campos profissionais o tempo de um determinado
método de produção não vai além de cinco a sete anos, pois novas demandas
surgem e os procedimentos tornam-se superados. Isso faz com que o profissional
tenha que estar num contínuo processo de formação e, portanto, “aprender a
aprender” é também fundamental.
Novas competências demandam novos
conhecimentos: o mundo do trabalho requer pessoas preparadas para utilizar
diferentes tecnologias e linguagens (que vão além da comunicação oral e
escrita), instalando novos ritmos de produção, de assimilação rápida de
informações, resolvendo e propondo problemas em equipe.
Para tanto, o ensino de
Matemática prestará sua contribuição à medida que forem exploradas metodologias
que priorizem a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a
argumentação, o espírito crítico, e favoreçam a criatividade, o trabalho
coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do desenvolvimento da
confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios.
É importante destacar que a
Matemática deverá ser vista pelo aluno como um conhecimento que pode favorecer
o desenvolvimento do seu raciocínio, de sua capacidade expressiva, de sua
sensibilidade estética e de sua imaginação.
O estudo dos fenômenos relacionados ao ensino e à aprendizagem da Matemática pressupõe a análise de variáveis envolvidas nesse processo — aluno, professor e saber matemático —, assim como das relações entre elas. Numa reflexão sobre o ensino da Matemática é de fundamental importância ao professor:
• identificar as principais características dessa ciência, de seus métodos, de suas ramificações e aplicações;
• conhecer a história de vida dos alunos, sua vivência de aprendizagens fundamentais, seus conhecimentos informais sobre um dado assunto, suas condições sociológicas, psicológicas e culturais;
• ter clareza de suas próprias concepções sobre a Matemática, uma vez que a prática em sala de aula, as escolhas pedagógicas, a definição de objetivos e conteúdos de ensino e as formas de avaliação estão intimamente ligadas a essas concepções.
O aluno e o saber matemático
As necessidades cotidianas fazem com que os alunos desenvolvam uma inteligência essencialmente prática, que permite reconhecer problemas, buscar e selecionar informações, tomar decisões e, portanto, desenvolver uma ampla capacidade para lidar com a atividade matemática. Quando essa capacidade é potencializada pela escola, a aprendizagem apresenta melhor resultado. No entanto, apesar dessa evidência, tem-se buscado, sem sucesso, uma aprendizagem em Matemática pelo caminho da reprodução de procedimentos e da acumulação de informações; nem mesmo a exploração de materiais didáticos tem contribuído para uma aprendizagem mais eficaz, por ser realizada em contextos pouco significativos e de forma muitas vezes artificial. É fundamental não subestimar a capacidade dos alunos, reconhecendo que resolvem problemas, mesmo que razoavelmente complexos, lançando mão de seus conhecimentos sobre o assunto e buscando estabelecer relações entre o já conhecido e o novo. O significado da atividade matemática para o aluno também resulta das conexões que ele estabelece entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele percebe entre os diferentes temas matemáticos. Ao relacionar idéias matemáticas entre si, podem reconhecer princípios gerais, como proporcionalidade, igualdade, composição e inclusão e perceber que processos como o estabelecimento de analogias, indução e dedução estão presentes tanto no trabalho com números e operações como em espaço, forma e medidas. O estabelecimento de relações é tão importante quanto a exploração dos conteúdos matemáticos, pois, abordados de forma isolada, os conteúdos podem acabar representando muito pouco para a formação do aluno, particularmente para a formação da cidadania.
O professor e o saber matemático
O conhecimento da história dos conceitos matemáticos precisa fazer parte da formação dos professores para que tenham elementos que lhes permitam mostrar aos alunos a Matemática como ciência que não trata de verdades eternas, infalíveis e imutáveis, mas como ciência dinâmica, sempre aberta à incorporação de novos conhecimentos. Além disso, conhecer os obstáculos envolvidos no processo de construção de conceitos é de grande utilidade para que o professor compreenda melhor alguns aspectos da aprendizagem dos alunos. O conhecimento matemático formalizado precisa, necessariamente, ser transformado para se tornar passível de ser ensinado/aprendido; ou seja, a obra e o pensamento do matemático teórico não são passíveis de comunicação direta aos alunos. Essa consideração implica rever a idéia, que persiste na escola, de ver nos objetos de ensino cópias fiéis dos objetos da ciência. Esse processo de transformação do saber científico em saber escolar não passa apenas por mudanças de natureza epistemológica, mas é influenciado por condições de ordem social e cultural que resultam na elaboração de saberes intermediários, como aproximações provisórias, necessárias e intelectualmente formadoras. É o que se pode chamar de contextualização do saber. Por outro lado, um conhecimento só é pleno se for mobilizado em situações diferentes daquelas que serviram para lhe dar origem. Para que sejam transferíveis a novas situações e generalizados, os conhecimentos devem ser descontextualizados, para serem contextualizados novamente em outras situações. Mesmo no ensino fundamental, espera-se que o conhecimento aprendido não fique indissoluvelmente vinculado a um contexto concreto e único, mas que possa ser generalizado, transferido a outros contextos.
As relações professor-aluno e aluno-aluno
Tradicionalmente, a prática mais freqüente no ensino de Matemática era aquela em que o professor apresentava o conteúdo oralmente, partindo de definições, exemplos, demonstração de propriedades, seguidos de exercícios de aprendizagem, fixação e aplicação, e pressupunha que o aluno aprendia pela reprodução. Considerava-se que uma reprodução correta era evidência de que ocorrera a aprendizagem. Essa prática de ensino mostrou-se ineficaz, pois a reprodução correta poderia ser apenas uma simples indicação de que o aluno aprendeu a reproduzir mas não apreendeu o conteúdo. É relativamente recente, na história da Didática, a atenção ao fato de que o aluno é agente da construção do seu conhecimento, pelas conexões que estabelece com seu conhecimento prévio num contexto de resolução de problemas. Naturalmente, à medida que se redefine o papel do aluno perante o saber, é preciso redimensionar também o papel do professor que ensina Matemática no ensino fundamental. Numa perspectiva de trabalho em que se considere a criança como protagonista da construção de sua aprendizagem, o papel do professor ganha novas dimensões. Uma faceta desse papel é a de organizador da aprendizagem; para desempenhá-la, além de conhecer as condições socioculturais, expectativas e competência cognitiva dos alunos, precisará escolher o(s) problema(s) que possibilita(m) a construção de conceitos/procedimentos e alimentar o processo de resolução, sempre tendo em vista os objetivos a que se propõe atingir. Além de organizador, o professor também é consultor nesse processo. Não mais aquele que expõe todo o conteúdo aos alunos, mas aquele que fornece as informações necessárias, que o aluno não tem condições de obter sozinho. Nessa função, faz explanações, oferece materiais, textos, etc. Outra de suas funções é como mediador, ao promover a confrontação das propostas dos alunos, ao disciplinar as condições em que cada aluno pode intervir para expor sua solução, questionar, contestar. Nesse papel, o professor é responsável por arrolar os procedimentos empregados e as diferenças encontradas, promover o debate sobre resultados e métodos, orientar as reformulações e valorizar as soluções mais adequadas. Ele também decide se é necessário prosseguir o trabalho de pesquisa de um dado tema ou se é o momento de elaborar uma síntese, em função das expectativas de aprendizagem previamente estabelecidas em seu planejamento. Atua como controlador ao estabelecer as condições para a realização das atividades e fixar prazos, sem esquecer de dar o tempo necessário aos alunos. Como um incentivador da aprendizagem, o professor estimula a cooperação entre os alunos, tão importante quanto a própria interação adulto/criança. A confrontação daquilo que cada criança pensa com o que pensam seus colegas, seu professor e demais pessoas com quem convive é uma forma de aprendizagem significativa, principalmente por pressupor a necessidade de formulação de argumentos (dizendo, descrevendo, expressando) e a de comprová-los (convencendo, questionando). Além da interação entre professor e aluno, a interação entre alunos desempenha papel fundamental na formação das capacidades cognitivas e afetivas. Em geral, explora-se mais o aspecto afetivo dessas interações e menos sua potencialidade em termos de construção de conhecimento. Trabalhar coletivamente, por sua vez, supõe uma série de aprendizagens, como:
• perceber que além de buscar a solução para uma situação proposta devem cooperar para resolvê-la e chegar a um consenso;
• saber explicitar o próprio pensamento e tentar compreender o pensamento do outro;
• discutir as dúvidas, assumir que as soluções dos outros fazem sentido e persistir na tentativa de construir suas próprias idéias;
• incorporar soluções alternativas, reestruturar e ampliar a compreensão acerca dos conceitos envolvidos nas situações e, desse modo, aprender.
Essas aprendizagens só serão possíveis na medida em que o professor proporcionar um ambiente de trabalho que estimule o aluno a criar, comparar, discutir, rever, perguntar e ampliar idéias. É importante atentar para o fato de que as interações que ocorrem na sala de aula — entre professor e aluno ou entre alunos — devem ser regulamentadas por um “contrato didático” no qual, para cada uma das partes, sejam explicitados claramente seu papel e suas responsabilidades diante do outro.
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